Diversos países desenvolveram importantes pesquisas longitudinais para mostrar a importância da Educação Infantil no futuro escolar, profissional e pessoal das crianças de 0 a 6 anos. O artigo abaixo resumido descreve alguns desses trabalhos, que infelizmente ainda não foram replicados no Brasil.
Artigo publicado por Aloisio Pessoa de Araújo, Flávio Augusto Rezende Cunha, James Joseph Heckman e Rodrigo Leandro de Moura
O Programa Perry
O projeto Pré-Escola Perry é um programa educacional que foi implementado em Ypsilanti, Michigan, nos Estados Unidos. O tratamento constou de aulas diárias durante o ano escolar, suplementado com uma visita semanal à casa do aluno pelo professor.
O estudo foi conduzido durante o período de 1961-65. Durante esses anos, 123 crianças participaram do programa, sendo 58 no grupo de tratamento e 65 no grupo de controle. As crianças no grupo de tratamento eram matriculadas na escola Perry aos três anos de idade por um período de dois anos.
As crianças eram negras e provenientes de famílias muito desfavorecidas, o que reflete a realidade da população de Ypsilanti.
As 58 crianças no grupo de tratamento foram selecionadas aleatoriamente. As demais 65 crianças foram alocadas ao grupo de controle, o que providenciou aos pesquisadores uma referência adequada para avaliar os efeitos do programa pré-escolar. O custo do programa, em dólares de 2006, foi de US$ 9.785 por criança participante. O programa coletou dados detalhados das crianças tanto no grupo de controle quanto no de tratamento, anualmente dos três aos 15 anos, assim como aos 19, 27 e 40 anos de idade.
O Programa Abecedarian
O projeto Abecedarian, no estado de Carolina do Norte, recrutou 111 crianças nascidas entre 1972 e 1977, vindas de 109 famílias que tiveram uma elevada nota no índice de alto risco. As crianças foram acompanhadas até os 21 anos de idade.
O programa Abecedarian foi mais intenso do que o Perry: ele foi conduzido em tempo integral, durante os 12 meses do ano. Na fase inicial existia um professor para cada três crianças, mas esse número cresceu para uma razão de 6:1 com a continuação do programa. Por funcionar em tempo integral durante todo o ano, o custo per capita do Abecedarian foi de US$ 15.125 em dólares de 2006.
Grande parte das crianças do grupo de controle foi matriculada em creches e pré-escolas que existiam na comunidade. Dessa maneira, podem-se interpretar os impactos do programa Abecedarian, em relação à opção existente na época, que era a matrícula em creches. Como veremos, as crianças nas creches não se desenvolveram tanto quanto aquelas que foram parte do programa de primeira infância. As diferenças nos resultados são muito grandes e podem ser explicadas por quatro razões que não são mutuamente exclusivas: (1) os professores nos programas de primeira infância recebiam treinamento intenso; (2) a razão criança-professor era baixa; (3) a estrutura curricular deu uma rotina de ensino estruturada que permitiu às crianças desenvolverem-se plenamente; (4) a visitação às casas dos pais pode ter incentivado um maior envolvimento deles na educação dos seus filhos. Esses quatro componentes são partes fundamentais de uma educação de primeira infância de qualidade e comuns a todos os quatro projetos que aqui descrevemos.
O Projeto de Saúde Infantil das Ilhas Maurício
Em 1972, foi implementado nas Ilhas Maurício um programa de educação de primeira infância para estudar o impacto de um ambiente estimulante no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. Nesse estudo, todas as crianças que haviam nascido entre os anos de 1969 e 1970 nas cidades de Vacoa e Quatre-Borne poderiam participar do projeto. As crianças no grupo de tratamento começaram a frequentar a escola de primeira infância aos três anos de idade, entre setembro de 1973 e agosto de 1974. As 200 crianças que participaram do projeto foram alocadas aleatoriamente para um grupo de tratamento e um grupo de controle, cada um com 100 crianças.
O programa de primeira infância consistia em educação, alimentação das crianças, exames médicos periódicos, solução de problemas comportamentais e de aprendizagem, exercícios físicos e visitação familiar para incentivar o envolvimento dos pais no desenvolvimento das crianças.
Os Centros de Pais e Filhos de Chicago
Os Centros de Pais e Filhos de Chicago (CPC) foram abertos em 1967 para servir crianças em 25 áreas de extrema pobreza na cidade de Chicago. Embora antigo, não houve coleta de dados desde o começo do programa. A coleta de dados começou com a geração das crianças nascidas em 1980. A participação no programa foi voluntária, e 989 crianças nascidas em 1980 foram matriculadas aos três anos de idade. Foram identificadas 550 crianças que poderiam ser matriculadas no projeto, mas que não foram. Ao contrário dos demais programas, a avaliação do CPC não foi experimental e sim quase-experimental.
O programa CPC funciona três horas por dia durante o ano acadêmico e também por seis semanas durante o verão. As atividades são estruturadas e enfatizam a aprendizagem de linguagem e matemática. Ao contrário do Programa Perry, que usa o modelo de Piaget, o programa CPC usa o método fônico para ensinar linguagem. No entanto, o CPC tem menos professores por aluno do que o Perry: enquanto este tem em média 5,7 crianças por professora, aquele tem 8,5 crianças por professora. Esse fato faz com que o custo per capita do CPC seja de aproximadamente US$ 8273 em dólares de 2006, sendo assim 15% mais barato do que o Perry.
Os Impactos dos Programas de Primeira Infância
A evidência gerada pelos Projetos Perry, Abecedarian, Saúde Infantil da Ilhas Maurício e CPC comprova, entre outras coisas, que os participantes foram mais propensos a concluir o ensino médio e tornaram-se menos propensos a participar de atividades relacionadas ao crime e à delinquência.
No projeto Perry as crianças que participaram do programa foram acompanhadas até os 40 anos de idade, enquanto no Abecedarian e CPC elas foram acompanhadas até os 21. Os três programas tiveram efeitos significativos na dimensão educacional. Como mostra o Gráfico 5.7, enquanto 45% dos participantes no grupo de controle concluíram o ensino médio, o mesmo percentual para o grupo de tratamento no programa Perry foi de 66%. Essa diferença é estatística e economicamente significativa. Os números para o Projeto Abecedarian são similares: enquanto 51% do grupo de controle chegaram ao fim do ensino médio, o mesmo percentual para o grupo de tratamento foi de 67%.
Os três programas reduziram a necessidade de educação especial e contribuíram em muito para a redução do problema de repetição escolar. Uma informação interessante que não mostramos no Gráfico 5.7: a avaliação do Projeto Abecedarian encontrou que enquanto apenas 13% das crianças no grupo de controle concluíram o ensino superior, um percentual quase três vezes maior no grupo de tratamento conseguiu o diploma universitário.
O Projeto Perry, o CPC e o Projeto nas Ilhas Maurício tiveram impactos fortes na redução da participação em crimes relacionados, entre outros, ao comércio de drogas ilegais, roubo, homicídio e estupro para os meninos. Enquanto 44% dos meninos no grupo de controle foram condenados e presos por esse tipo de crime, o mesmo número para os meninos no grupo de tratamento foi de 28%. O Projeto nas Ilhas Maurício encontrou efeitos similares: no grupo de controle, 36% dos participantes foram condenados por algum tipo de crime, enquanto no grupo de tratamento esse número foi de aproximadamente 23,6%. No CPC, 25% dos jovens que não participaram do programa já tinham sido presos pelo menos uma vez até os 21 anos de idade. O mesmo percentual para o grupo que recebeu o tratamento foi 30% menor.
Os programas de primeira infância previnem que crianças se tornem pessoas violentas. Hoje em dia sabemos que o comportamento antissocial pode ser classificado de acordo com a fase da vida em que surge: (1) antes da puberdade (durante a infância) e (2) após a puberdade (durante a adolescência). O comportamento violento que surge na infância ocorre com baixa frequência na população, mas se trata de um problema sério: tais crianças exibem um comportamento violento com as demais crianças e uma crueldade extrema com os animais. O comportamento antissocial que surge na adolescência tende a ser mais comum, mas também menos extremo. A maior parte desses adolescentes tende a cometer pequenos roubos e furtos e a mentir para os pais e professores.
O comportamento antissocial que surge durante a infância está intimamente associado com déficits neuropsicológicos (capacidade intelectual subdesenvolvida) e pouco envolvimento dos pais com os filhos durante os primeiros anos de vida. Dessa maneira, os programas de primeira infância reduzem a criminalidade, pois eles elevam o desenvolvimento intelectual das crianças, prevenindo, assim, o aparecimento de comportamento antissocial na infância.
A evidência mostra que para cada dólar investido no programa Perry, o retorno estimado para a sociedade foi de US$ 9. Cada dólar investido no programa CPC produziu um retorno de aproximadamente US$ 7. Para o programa Abecedarian, o mesmo número foi de US$ 2,5.
A Metodologia para Avançar na Solução dos Problemas
Este capítulo resume a evidência internacional produzida por diferentes campos das ciências biológicas e ciências sociais sobre a importância da educação que ocorre na idade mais tenra. Como vimos, os programas que encontram impactos no aumento da escolaridade e redução da criminalidade têm quatro características em comum: (1) os professores nos programas de primeira infância recebem treinamentos intensos e específicos; (2) uma baixa razão criança-professor, que permite uma atenção pessoal à criança; (3) uma estrutura curricular que fornece uma rotina de ensino estruturada; (4) um componente de visitação nas casas para gerar um maior envolvimento dos pais na educação dos seus filhos. Para que as crianças carentes tenham as mesmas oportunidades das mais favorecidas, devemos instituir programas que não tenham como princípio substituir a família, mas que busquem envolvê-la em todo o processo.
A existência de um programa de primeira infância de qualidade para a população carente é uma condição necessária, mas não suficiente, para avançarmos em direção a uma sociedade mais educada, igualitária e, sobretudo, menos violenta. A formação de capital humano começa na idade mais tenra e prossegue ao longo da vida. Precisamos estudar o que fazer para melhorar a qualidade das escolas. No Brasil atual, vários programas são implementados em larga escala sem qualquer contrapartida de avaliação. Mesmo quando há avaliação, os resultados são poucos difundidos. Essa dinâmica impede a criação de um conjunto de evidências que nos permita aprender com as experiências passadas, tenham sido elas boas ou ruins.
O modelo a ser seguido deve ser outro. Deve-se criar uma cultura de coleta de dados que permita acompanhar o desenvolvimento infantil do período pré-natal até a fase adulta. Esses dados devem ter informações detalhadas sobre o ambiente familiar, o status intelectual e emocional dos pais, os recursos de que as famílias dispõem para investir na educação dos filhos e as características das escolas e dos professores com quem as crianças passam boa parte do tempo. Muitos países desenvolvidos e alguns vizinhos latino-americanos já coletam esse tipo de dados e os usam para saber mais a respeito do desenvolvimento de suas crianças. Já passou da hora de começarmos a fazer o mesmo.
Além disso, os projetos criados com o intuito de melhorar a educação devem ser primeiramente implementados em pequena escala e devem ser avaliados. A implementação em pequena escala permite aperfeiçoar a execução do programa antes de replicá-lo em larga escala. É necessário que esses projetos sejam sistematicamente e objetivamente avaliados: (1) quanto custa; (2) quais os benefícios; (3) qual a parcela da população que se beneficia mais e, finalmente, (4) qual a população que não se beneficia. Essa informação será valiosa para decidir quais projetos deverão ter prioridade para serem implementados em escala nacional. Somente com esse conhecimento poderemos colocar em prática políticas públicas que irão aumentar a qualidade da educação e reduzir a violência na nossa sociedade.